sexta-feira, 24 de julho de 2009

Começo a conhecer - me. Não existo



Começo a conhecer - me. Não existo
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
ou metade desse intervalo, por que também há vida...
Sou isso, enfim...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sussego de mim mesmo.
É um universo barato.


Álavaro de Campos
Leitura



Era um quintal ensombrado, murado alto de pedras.
As macieiras tinham maçãs temporãs, a casca vermelha
de escuríssimo vinho, o gosto caprichado das coisas
fora do seu tempo desejadas.
Ao longo do muro eram talhas de barro.
Eu comia maçãs, bebia a melhor água, sabendo
que lá fora o mundo havia parado de calor.
Depois encontrei meu pai, que me fez festa
e não estava doente e nem tinha morrido, por isso ria,
os lábios de novo e a cara circulados de sangue,
caçava o que fazer pra gastar sua alegria:
onde está meu formão, minha vara de pescar,
cadê minha binga, meu vidro de café?
Eu sempre sonho que uma coisa gera,
nunca nada está morto.
O que não parece vivo, aduba.
O que parece estático, espera.



Adélia Prado


Relato pessoal: Capão Pecado

Dou valor?



Onde posso ir?
Quando começo a ler, meu pensamento vai para bem longe. Viajo para uma "realidade", onde a maldade dos homens não existe, e sim existe o amor a compaixão, e esses sentimentos bons predominam no coração de cada um de nós.
Ler o livro Capão Pecado foi algo muito diferente, um grande privilégio, pois é um livro muito "realista". Serviu para minha cabeça "fugir" um pouco do mundo de fantasias e voltei para esse mundo, o mundo "real".
Quando estava lendo, lembrei - me de algo que aconteceu em minha vida.
Uma vez o namorado da minha melhor amiga, começou a dar em cima de mim, claro longe dela, eu ficava completamente sem jeito, e comecei a "cortar" as brincadeiras, e todo o apego que ele tinha comigo, pois afinal de contas era um grande amigo meu.
Capão Pecado me fez lembrar também quando a minha avó morava em uma Favela, e quando, eu ia na casa dela, via como era o "movimento", onde "escreveu não leu o pau comeu". As coisas não são nada facéis e em uma favela, acaba fivando mais difícil ainda.
A sociedade é muito maldosa com todos. Mais espera aí a culpa não é só "deles", somos todos culpados, por sermos tão preconceituosos, pela nossa raça, a raça humana.
Infelizmente faz parte da vida "essa realidade", essa dura realidade.
Eu passei alguns dias lendo, as partes que mais achava "interessante" comentava como minha mãe ela também gostou muito, também contei as coisas que achei mais interessante para o meu pai, meus tios...
Amei ler este livro foi uma grande aventura , e "aprendi muito com ele", foi uma sensação muito boa e triste, pois no livro há muita morte entre outras desgraças.
O ruim de toda história é que para aprender a dar mis valor para a vida é preciso deparar - se com uma coisa "real". Foi fácil de entender, pois é usada uma lingugem do dia a dia, sem muitas restrições.
É assim que acontece eu vou e volto, viajo em uma "ralidade paralela" depois volto com todo vigor para a minha realidade. É assim o mudo da leitura.
Espero colocar em prática tudo aquilo que tocou o meu coração, principalmente a dar valor a vida.



Amanda de Jesus Costa

domingo, 19 de julho de 2009

Berimbau

Composição: Baden Powell e Vinicius de Moraes


Quem é homem de bem
Não trai!
O amor que lhe quer
Seu bem!
Quem diz muito que vai
Não vai!
Assim como não vai
Não vem!...

Quem de dentro de si
Não sai!
Vai morrer sem amar
Ninguém!
O dinheiro de quem
Não dá
É o trabalho de quem
Não tem!
Capoeira que é bom
Não cai!
E se um dia ele cai
Cai bem!...

Capoeira me mandou
Dizer que já chegou
Chegou para lutar
Berimbau me confirmou
Vai ter briga de amor
Tristeza camará...

Se não tivesse o amor (2x)
Se não tivesse essa dor (2x)
E se não tivesse o sofrer (2x)
E se não tivesse o chorar (2x)
Melhor era tudo se acabar (2x)

Eu amei, amei demais
O que eu sofri por causa de amor ninguém sofreu
Eu chorei, perdi a paz
Mas o que eu sei é que ninguém nunca teve mais, mais do que eu

Capoeira me mandou
Dizer que já chegou
Chegou para lutar
Berimbau me confirmou
Vai ter briga de amor
Tristeza camará...

Hê! Hê! Camará!
Hê! Hê! Camará!
Hê! Hê! Camará!
Hê! Hê! Camará!
Soneto do amigo

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...


Vinicius de Moraes
O Velho E A Flor


Composição: Vinicius de Moraes/ Toquinho / Bacalov


Por céus e mares eu andei
Vi um poeta e vi um rei
Na esperança de saber o que é o amor
Ninguém sabia me dizer
E eu já queria até morrer
Quando um velhinho com uma flor assim falou:

O amor é o carinho
É o espinho que não se vê em cada flor
É a vida quando
Chega sangrando
Aberta em pétalas de amor


Vinicius de Moraes

terça-feira, 14 de julho de 2009

A brusca poesia da mulher

Minha mãe, alisa de minha fronte todas as cicatrizes do passado

Minha irmã, conta-me histórias da infância em que que eu haja sido

herói sem mácula

Meu irmão, verifica-me a pressão, o colesterol, a turvação do timol, a

bilirrubina

Maria, prepara-me uma dieta baixa em calorias, preciso perder

cinco quilos

Chamem-me a massagista, o florista, o amigo fiel para

as confidências

E comprem bastante papel; quero todas as minhas esferográficas

Alinhadas sobre a mesa, as pontas prestes à poesia.

Eis que se anuncia de modo sumamente grave

A vinda da mulher amada, de cuja fragrância

já me chega o rastro.

É ela uma menina, parece de plumas

E seu canto inaudível acompanha desde muito a migração dos

ventos

Empós meu canto. É ela uma menina.

Como um jovem pássaro, uma súbita e lenta dançarina

Que para mim caminha em pontas, os braços suplicantes

Do meu amor em solidão. Sim, eis que os arautos

Da descrença começam a encapuçar-se em negros mantos

Para cantar seus réquiens e os falsos profetas

A ganhar rapidamente os logradouros para gritar suas mentiras.

Mas nada a detém; ela avança, rigorosa

Em rodopios nítidos

Criando vácuos onde morrem as aves.

Seu corpo, pouco a pouco

Abre-se em pétalas... Ei-la que vem vindo

Como uma escura rosa voltejante

Surgida de um jardim imenso em trevas.

Ela vem vindo... Desnudai-me, aversos!

Lavai-me, chuvas! Enxugai-me, ventos!

Alvoroçai-me, auroras nascituras!

Eis que chega de longe, como a estrela

De longe, como o tempo

A minha amada última!

Vinicius de Moraes

quarta-feira, 8 de julho de 2009

A arte de ser feliz - Cecília Meirelles

A arte de ser feliz...
Houve um tempo em que minha janela
se abria sobre uma cidade que parecia
ser feita de giz.
Perto da janela havia um
pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra
esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre
com um balde e, em silêncio, ia atirando
com a mão umas gotas de água sobre
as plantas. Não era uma rega: era uma
espécie de aspersão ritual, para que o
jardim não morresse. E eu olhava para
as plantas, para o homem, para as gotas
de água que caíam de seus dedos
magros e meu coração ficava
completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o
jasmineiro em flor. Outras vezes
encontro nuvens espessas. Avisto
crinças que vão para a escola. Pardais
que pulam pelo muro. Gatos que abrem
e fecham os olhos, sonhando com
pardais. Borboletas brancas, duas a
duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem
personagens de Lope de Vega.
Àsvezes um galo canta. Às vezes um
avião passa. Tudo está certo, no seu
lugar, cumprindo o seu destino. E eu me
sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas
felicidades certas,
que estão diante decada janela,
uns dizem que essas coisas
não existem, outros que só existem
diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a
olhar, para poder vê-las assim.
Cecília Meirelles